Capítulo 1. Frangos, bombas, lápis e saias
Queridos bloggers,
Apresentamos agora o primeiro capítulo de uma história que não sabemos no que consiste nem para o que vai. O único detalhe que podemos avançar é o carácter autobiográfico da narrativa, com os necessários toques de magia que tiram o aborrecimento de uma vida plenamente rotineira e sem piada. A história também deverá ser humorística se o leitor lhe achar piada, caso contrário nós andamos muito iludidos deste lado.
Assumimos o compromisso de publicar um pequeno capítulo todas as quartas e sábados durante aproximadamente 457 semanas.
Obrigado pela atenção.
Cá vai:
1.
A vida é volátil e absurda. Dizia Jorge de Sena que um frango ao cair de um avião pode parecer uma bomba, mas – penso eu – uma bomba num forno também pode parecer um frango.
Não há motivo geral ou particular para se colocar uma bomba no forno, e qualquer pessoa dispõe das faculdades necessárias para evitar um lapso tão bacoco. Quem coloca um frango no forno em princípio tê-lo-á temperado; quanto às bombas, o tempero vem no seu interior: é como o peru do Dia de Acção de Graças dos americanos.
Admito: eu não sou conhecido por dar graças às Graças. O ano tem trezentos e sessenta e cinco dias; as Graças designaram, por si e para si, um dia específico para agir. Eu ajo todos os dias; não o digo para me pavonear ou entrar numa disputa de contagem de galardões de mérito militar. Não sou bom de pistolas, e também sou mau noutras coisas como a matemática.
A matemática provoca-me frieiras nas mãos. Certo dia, não removi as luvas ao entrar na sala de aula. A professora Otília, de olhos inquisitivos, plenamente iracunda e pronta a esganar aquele jovem – que na altura era eu – que a havia afrontado ao não lhe mostrar as mãos enquanto fazia equações.
– Ó jovem – ela chamou-me jovem porque naquele dia eu era mais jovem do que sou neste momento, e menos jovem serei no fim desta frase – porque é que está de luvas na minha sala de aula?
– Tenho frieiras, senhora professora.
– Ora, pois bem, eu tenho um gato. Saia da minha sala de aula! Rua!
Eu mantive-me prostrado no meu assento. O pânico suscitado por aquela interacção quebrou as correntes metálicas da polia que é o meu cérebro. Continuei sentado, e comecei a olhar em volta procurando a saia.
“Qual será o tipo de saia que mais se adequa à sobriedade de uma sala de matemática?” – pensei eu. – “Plissada? Rodada? Saia em A? Não, essa certamente ficará melhor na sala de língua portuguesa. Saia lápis? É possível… Mas que lápis? B ou HB? F ou H? oh não! Voltei à língua portuguesa. Que disparate.”
Enquanto eu pensava a professora abriu a porta, aproximou-se e arrastou-me até à saída. Nos estreitos segundos que a porta demorou a fechar-se tentei passar os olhos por todos os cantos da sala, tentando encontrar a saia da minha salvação. Sem sucesso. Estava sozinho e entregue às veredas frias do recinto escolar até ao próximo toque.